Fazendo Drama: um grande encontro
E um pouco de cinema com Challengers, de Luca Guadagnino
Ontem na noite do dia onze de junho finalmente começaram os encontros da oficina Fazendo Drama. Tinha esquecido o tanto que gosto de estar junto de outros autores, facilitar o processo de escrita, ouvir e ser ouvida por quem tem a mesma paixão.
Estar cercada pelos seus pares, entender que não estamos sozinhos no processo, poder se expressar sem medo. Em quantos espaços podemos ter essa experiência hoje em dia? Poucos. Vivemos em um mundo violento e polarizado. É nossa responsabilidade criarmos as ilhas e os bunkers que nos abrigam durante os bombardeios. Senti que Fazendo Drama foi esse lugar na noite passada. Espero que tenha sido para todos os presentes.
::
Hoje é dias dos namorados no Brasil (e acho que só no Brasil), e uma das ilhas que resolvi criar para enfrentar o colapso da humanidade foi me casar com o Lucas. Em 2018 Bolsonaro ganhou as eleições presidenciais, e eu estava apaixonada, o que parecia uma loucura. Como abrir espaço para o amor no meio do fascismo?
Apaixonados sempre acreditam que sua experiência é única, quando na verdade é bem comum. Banal até. Se casais não se apaixonassem durante o fascismo, não existiriam filmes como Casablanca, com um triângulo amoroso acontecendo no centro da segunda guerra mundial e com nazistas ameaçando todo mundo o tempo inteiro.
Talvez se apaixonar e sentir de forma irrevogável a força do amor seja uma espécie de defesa emocional, anticorpos políticos que lutam contra a invasão do ódio. Senti a febre desses anticorpos no meu sangue e em 2019 eu e Lucas decidimos casar. Não queríamos que as únicas lembranças daquele ano fossem sobre um psicopata e sua família de aloprados. Deu certo. Pelo menos naquele 19 de agosto o amor venceu.
Feliz dia dos namorados, namoradas e namorades para quem sabe que o amor não é um substantivo e sim um verbo, uma ação, como bem disse bell hooks.
::
Não dá para falar de amor romântico sem falar de desejo. E um dos maiores cronistas do desejo de nossos tempos é o roteirista e diretor italiano Lucas Guadagnino. Se não está ligando o nome a pessoa, ele é a mente por trás da série Who are who we are - spbre um grupo de adolescentes vivendo em uma base militar norte americana na Itália da HBO e do longa-metragem Call me by your name - um coming of age que narra a paixão entre o jovem acadêmico Elio e o adolescente Oliver em 1983.
O novo filme de Luca, Challengers se passa no universo dos torneios de tênis. É um triângulo amoroso memorável entre a tenista Tashi Duncan e o seu ex namorado, o rebelde Patrick e o marido disciplinado Art. Patrick e Art eram melhores amigos e parceiros de tênis desde a adolescência, e se reencontram num torneio, agora como rivais. A partida final vai decidir o rumo que o relacionamento entre os três vai tomar.
Assim como Tashi Duncan eu amo uma boa partida e Luca Guadagnino constroi um filme pop, sexy, divertido que também é um grande tratado sobre o caráter fugaz e impermanente do desejo. Esse paradoxo - só permanecemos desejando aquilo que nos escapa. O desequilíbrio de poder entre Tashi, Art e Patrick faz essa gangorra de três pontas nunca parar. Bom demais de assistir.
Challengers está saindo de cartaz hoje nos cinemas do Rio de Janeiro, não sei em outras capitais. Em breve estará disponível na Prime Video, mas que delícia assistir essa grande partida na tela grande.
::
Voltando ao nosso assunto principal: a escrita, esse desejo que nos escapa e por isso permanece.
O exercício proposto aos oficineiros foi de resumir a própria história em apenas uma frase. Difícil né?
Chegar no cerne, no simples, tirar o supérfluo.
Da Vinci já velho de guerra, ficou impressionado com a escultura de Davi e perguntou a Michelangelo, então com 28 anos, como ele fez aquela maravilha. E Michelangelo respondeu que apenas tirou do mármore tudo que não era Davi (eu amo essa história).
Tem outra frase, atribuída a Tolstoi que diz “a verdade é como o ouro, não se pode esperar que ela cresça. Para encontrá-la temos que lavar tudo que não é ouro".
São perspectivas semelhantes, mas ligeiramente diferentes. Para Michelangelo, a verdade sempre esteve lá. Para Tolstoi a verdade é valiosa e fugidia, devemos capturá-la e não apenas encontrá-la.
De todo modo, ambos estão falando sobre chegar na essência da coisa. Saber contar sua história em uma frase pode ser um bom exercício que vai orientar todo o caminho de escrita.
“Ah, minha história é muito longa e complexa para isso"
O exemplo que eu dei foi:
“Menina abandonada em um lixão cresce e volta para se vingar da madrasta que matou seu pai”
Avenida Brasil (João Emanuel Carneiro) foi ao ar em 2012 e teve 179 capítulos de cerca de 40 minutos cada. Foi um dos maiores sucessos da teledramaturgia nacional. Um verdadeiro smash hit.
Teste esse exercício com filmes, livros, séries e novelas que você ama. Depois tente aplicar na sua história. Lave tudo que não é ouro e veja o caminho se abrir.
Adorei essa edição, Renata! E casou perfeitamente com um exercício que estou planejando para o Laboratório de Escrita Recorrente que eu coordeno. Vou recomendar o texto para as participantes 💕
Obrigada pelo texto! É muito bom ler o que você escreve!